“Absalão ficou dois anos em Jerusalém sem ver a face do rei” (II Samuel 14.28).
O que Absalão fez era um crime que a pena era a morte. Bem, pelo menos deveria ser. Ele até tinha a intenção de punir o seu irmão que estuprou a própria irmã (II Samuel 13.1-36). A ideia era fazer a justiça que seu pai não fez, mas, em consequência, embriagou seu próprio irmão e o matou.
Não obstante ver seu filho estuprar a irmã, Davi viu também seu outro filho o matar por esse crime que cometera. O que Davi havia feito de errado para isso acontecer em sua casa? Era óbvio que ele estava vivendo o cumprimento da profecia do Profeta Natã, após o repreender pelo adultério cometido com Bate-Seba, e o homicídio de Urias, esposo da mulher que ele tomou para si. A profecia dizia: “Agora, pois, a espada jamais se afastará da sua casa, porque você me desprezou e tomou a mulher de Urias, o heteu, para ser sua mulher” (II Samuel 12.10).
O sofrimento de Davi com certeza era sem precedentes, e ninguém podia se colocar em seu lugar e dizer que sabia o que ele estava sentindo, porque esse caos é inconcebível em qualquer situação familiar. Porém, os problemas de Davi com seu filho Absalão ainda estavam começando, pois, esse filho ainda iria se rebelar contra o pai para lhe tomar o trono e o governo de Israel, forçando o rei a fugir de sua própria casa (II Samuel 15).
Qual foi, pois, o erro de Davi diante de todo esse caos que se instaurou em sua casa? Lendo esses capítulos outra vez para entender melhor, pude perceber que ele, mesmo não querendo aplicar a Absalão a pena pelo homicídio, não quis sequer tratar de seu coração para que ele voltasse para casa.
Davi não castigou a Absalão, e isso já foi um erro, porém, movido por rancor, não quis que seu filho voltasse para casa, e por isso, diz o texto em destaque, que ele ficou dois anos sem ver a face do próprio pai.
Pense comigo, como deveria estar o coração de Absalão naquele tempo? Ele havia errado, cometeu um crime de sangue ao matar o próprio irmão. Ele percebeu que seu pai não o mataria, mas sentiu na pele o peso do rancor de Davi contra ele.
A verdade é que Davi naquele momento estava fraco. A fraqueza de Davi estava exposta desde o episódio com Bate-Seba. Mesmo sendo um rei que ganhou inúmeras batalhas e conquistou muito território em suas guerras e pelejas contra seus inimigos, o maior inimigo que estava dentro de si ele não foi capaz de derrotar.
Davi não soube controlar seus impulsos sexuais ao espiar de seu palácio Bate-Seba tomando seu banho. Ele não teve peito de encarar o seu erro, e fez de tudo para ocultar de todo o povo de Israel, acabando com todas as provas e indícios de seus crimes. Ele estava enfraquecido pela guerra que perdeu ao não tomar uma atitude drástica quando seu filho Amnom estuprou sua meia-irmã Tamar, que era irmã de Absalão.
Por suas fraquezas, mesmo quando sabia o que tinha de fazer, não fez o que era certo. Se escondeu em seu ócio, em seu rancor contra seu filho. Se acomodou, e esse foi o maior erro. Tais pendências com Absalão geraram, em seu filho um rancor tal, que o fez ocupar o trono do rei e se levantar contra sua família, a fim de matar o próprio pai.
Se Davi tivesse tomado a iniciativa de consertar isso antes mesmo que o problema crescesse, com certeza, ele não teria perdido dois filhos para o caos que se sucedeu. Se Davi aprendesse com os primeiros erros, com certeza não os repetiria. Mas, não posso julgá-lo, pois somos muito parecidos. Custamos aprender com os erros, e infelizmente colhemos frutos amargos. Deixamos por inúmeras vezes o rancor crescer em nosso coração como um fermento, como uma raiz.
Como disse o escritor aos Hebreus: “Cuidem para que ninguém fique afastado da graça de Deus, e que nenhuma raiz de amargura, brotando, cause perturbação, e, por meio dela, muitos sejam contaminados” (Hebreus 12.15). Porque a raiz da amargura cresce, começa sempre com uma pequenina semente, com um delito não perdoado, um sentimento reprimido.
Porém, o que mais me intriga nessa história é o simples fato de que Davi queria que seu filho estivesse com ele, sentia saudades de Absalão (vide II Samuel 13.39), mas não teve coragem de perdoá-lo por matar seu outro filho, e por isso perdeu dois anos com um sentimento em seu coração, causando mal a outros, e a raiz cresceu, o problema fermentou, e grande foi o estrago em sua casa.
Por isso, antes que seja tarde, arranque as raízes amargas do seu coração e perdoe.
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